Advogada analisa mudanças na sociedade com possibilidade de casamento gay
Advogada reflete sobre decisão do STJ sobre casamento gay
Hélio Filho
Iolanda: casamento é evolução
Há milênios vivendo debaixo de convenção, a maior parte da Sociedade entende e se comporta de forma a manter regras, exigindo que aqueles que não estejam enquadrados, se adaptem, ainda que compulsoriamente, como se convenções fosse a maneira certa de se viver. Quando nascemos, além de infindáveis regras e normas de conduta, até um nome já nos espera.
A palavra mais ouvida é não; e sempre que pedimos alguma coisa minimamente diferente dos ‘padrões’, diversas são as “autoridades” a ‘nos colocar de volta ao caminho certo’: além dos pais, os avós, o irmão mais velho, a madrinha, o padre, o pastor, o vizinho, o professor, o chefe, o médico, a polícia, o ‘bicho papão’,…! E ai de quem teimar; lá vem castigo.
O castigo de hoje aos ‘diferentes’ é a violência, a perseguição, o deboche, a humilhação, a marginalização, a restrição ao emprego, a restrição aos locais comuns… O castigo de hoje é a mudez, é a indignidade, é a morte! Como imaginar uma Sociedade sem diversidade, se, praticamente tudo no mundo tem dois lados, duas versões, duas vertentes (sim e não, noite e dia, dois olhos, dois ouvidos, dois braços, duas pernas, dois lados do coração, duas partes do cérebro, dois pulmões, dois rins, consciente e inconsciente…).
Absolutamente tudo muda, rápida ou lentamente, basta ‘voltarmos a fita’ da história do mundo, para verificarmos o tamanho da mudança! Isso é evolução! Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, reconheceu, embora muito atrasada, como entidade familiar, a união estável, vivida há mais de duas décadas, por uma infinidade de casais que, em decorrência do preconceito, permaneciam à margem da sociedade e sem usufruir diversos direitos constitucionalmente reconhecidos a quem atendia às regras convencionais, ou seja, a quem dispunha de uma certidão de casamento.
Cansada de tanto desrespeito à sua vida, vivida sempre em paralelo, sempre escondida, a Comunidade LGBT começou a bradar veementemente pelo reconhecimento de sua existência, como estudante, como profissional, como cidadão, como gente. E essa Comunidade de 10% de brasileiros, ou seja, de 19 milhões de pessoas, aflorou, pelo menos um em cada família. Essa Comunidade que direciona seu afeto para o lado oposto ao convencional, quer, exige, precisa que suas uniões sejam reconhecidas. E elas foram!
Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal, substituindo o Legislativo omisso, legal e constitucionalmente decidiu, em 5.5.2011, direitos difusos e coletivos, trazendo de volta a cidadania a 19 milhões de brasileiros, que hoje podem reconhecer suas uniões familiares, desfrutando, assim, ao menos em parte dos 78 direitos até então desrespeitados.
Na mesma esteira, o Superior Tribunal de Justiça, essa semana (out./2011), reconheceu, o casamento de duas mulheres que convivem em união estável há vários anos. O que muda? Ora, se a própria Constituição Federal determina (artigo 226, § 3º) a facilitação da conversão da união estável em casamento, em se tratando de homem e mulher, ao equiparar a união estável homoafetiva à união estável heteroafetiva, o STF já deixou aberta veia legal, agora utilizada pelo STJ.
Se a Constituição consagra o direito ao planejamento familiar, com todas as garantias daí decorrentes, preservando, assim, o direito à dignidade e à liberdade, como não estender essa liberdade ao direito de escolha do parceiro a quem se tem afeto e com quem se quer conviver (em família)?
A mudança, então, se deu em evolução, em respeito à não discriminação, em respeito à união de duas pessoas que planejam sua família, em respeito ao casamento e todos os direitos daí resultantes.
*Iolanda Aparecida Mendonça é advogada especialista em Direito Homoafetivo e membro do Grupo de Advogados da Diversidade Sexual (Gadvs).