Entidades LGBTI celebram decisão do STF que reconheceu homotransfobia como crime de racismo
Nós, redes abaixo assinadas, viemos agradecer ao Supremo Tribunal Federal pela decisão que reconheceu como crime de racismo a discriminação e os discursos de ódio contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexos (LGBTI+) na ADO 26/MI 4.733, e sua publicação no Dia do Orgulho LGBTI. A luta contra a violência (física e moral/simbólica) e o extermínio dos nossos corpos e subjetividades é pauta histórica do movimento, e a conquista de direitos tem sido um processo árduo de enfrentamento, o qual jamais seria possível sem a atuação fundamental de parceiros no campo institucional.
A Suprema Corte tem se manifestado favoravelmente ao reconhecimento jurídico dos direitos da nossa população, e suas decisões têm sido a principal fonte normativa nesse campo em face da omissão legislativa já reconhecida, e da fragilidade que enfrentamos nos Poderes Executivo e Legislativo.
Agora, será o momento de lutar pela efetividade da decisão, fazendo com que os discursos de ódio e as discriminações contra pessoas LGBTI+ sejam, de fato, punidas pelo Estado. Enfrentaremos a mesma dificuldade que o Movimento Negro enfrenta há décadas para efetivar a Lei 7.716/89, a qual a Suprema Corte afirmou incidir para a proteção das pessoas LGBTI+. Contamos uma vez mais com o Supremo Tribunal Federal para superar as resistências do Judiciário na efetivação da referida lei, para que deixem de considerar discursos efetivamente criminosos (animus injuriandi) como meras “brincadeiras não-criminosas” (animus jocandi), prática lamentavelmente ainda comum em nosso Judiciário, como prova a paradigmática obra do Professor Adilson José Moreira, “Racismo Recreativo” (Coleção Feminismos Plurais, 2ª Ed., São Paulo: Ed. Pólen, 2019).
A luta será árdua, mas agora será possível, ante essa histórica decisão do STF na defesa da dignidade da população LGBTI+, pela qual agradecemos.
Por oportuno, transcrevemos a tese aprovada pelo STF, a qual muito celebramos:
“1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);
2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero;
3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito”. [1] (grifo nosso)
Renovamos nossos votos de consideração e respeito, no sentido de que possamos garantir a cidadania para todas e todos.
GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
pp. Paulo iotti
ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos e ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais
pp. Symmy Larrat
Associação MÃES PELA DIVERSIDADE
pp. Majú Giorgi
Cidadania Diversidade
pp. Eliseu Neto
[1] Íntegra disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010>. Acesso em 13.06.2019.