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Igualdade na diversidade: a luta pelo reconhecimento dos direitos dos homossexuais no Brasil
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O artigo escrito por Osvaldo Fernandez reflete sobre a discriminação e violência contra os homossexuais, demonstra os preceitos constitucionais e os direitos fundamentais violados quando negados aos LGBT’s o direito à vida, à dignidade e à segurança. Defende a tese de que a proteção e a promoção dos direitos desse segmento específico da sociedade significa também um ganho geral para o exercício da cidadania.
”
“A não criminalização constitucional específica da discriminação por orientação sexual e o não reconhecimento de direitos específicos dos homossexuais – que devem, através de lutas sociais, buscar jurisprudência e analogias legais a partir de princípios gerais da Constituição Federal (“outras formas de discriminação”, por exemplo) para dar efetividade específica para o princípio abstrato da igualdade – já é uma manifestação estrutural de preconceito, que corrobora múltiplos contextos sociais de violência simbólica.”(trecho extraído do artigo)
Veja integra em:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/14332/7590
Artigo cientifico escrito por: Osvaldo Fernandez é Antropólogo, Professor Adjunto do Depto. de Educação e do Mestrado em Crítica Cultura da Universidade Estadual da Bahia – UNEB (Alagoinhas). Visiting Senior Research Scientist do Departament of Sociomedical Sciences, na Mailman School Public Health da Columbia University (NY/EUA), bolsista de Pós-Doutorado da Fundação CAPES – Proc. N° BEX (1960-09-1), Ministério da Educação do Brasil. Doutor em Ciências Sociais (Antropologia, 2007) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Ciências Sociais (Antropologia, 1993) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais (1987) pela Universidade Estadual Paulista (UNESPAraraquara). É pesquisador e professor universitário há mais de 20 anos e, desde 2003, faz parte do Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade (DIADORIM) da UNEB
Veja integra em:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/14332/7590
Revista Espaço Acadêmico – revista multidisciplinar -ISSN 1519-6186 (on-line) – Departamento de Ciências Sociais – Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Av. Colombo, 5790 – Campus Universitário 87020-900 – Maringá/PR – Brasil –
blog: http://espacoacademico.wordpress.com – Email: revistaespacoacademico@gmail.com
Veja também:
http://edmarciuscarvalho.b
Relato de um advogado militante LGBT. Assim se faz história.
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Casamento Civil entre Pessoas do Mesmo Sexo: uma questão de luta e de direito
Gustavo Bernardes*
Ontem (25/10/2011) o Superior Tribunal de Justiça, STJ, reconheceu, por 4 votos a 1 o direito ao casamento civil a um casal de mulheres lésbicas do Rio Grande do Sul. A decisão, embora não tenha efeito vinculante servirá como paradigma para as justiças estaduais e permitirá que os demais juízes julguem no mesmo sentido.
Essa é, sem dúvida uma grande vitória para o movimento LGBT brasileiro, não só pela confirmação de que a Justiça segue no caminho do reconhecimento dos direitos das minorias como fez o Supremo Tribunal Federal ao julgar a união estável, mas também por essa ser uma ação que partiu do próprio movimento civil organizado.
Quero com esse pequeno artigo render aqui uma homenagem ao SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade, grupo do qual tive a honra de participar e coordenar sua assessoria jurídica por cerca de 7 anos e contar um pouco como se deu a construção dessa vitória. Compartilho aqui todo o andamento do processo até a decisão do dia 25/10, faço isso como forma de incentivar que os militantes LGBT ousem, vejam além do que está posto e escrito na Lei.
Tudo começou quando li um artigo do juiz Roberto Lorea a respeito da possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo. O texto provocou em mim um incômodo muito grande pois, talvez pela minha formação positivista, eu achava que se o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo não estava previsto na legislação, ele não poderia ser admitido pelo Poder Judiciário.
Depois de muita reflexão e estudo a respeito da jurisprudência já existente a respeito das uniões estáveis (o artigo 1723 do Código Civil que trata das uniões estáveis também fala que a união estável se da entre homem e mulher e no entanto os Tribunais entendiam que as uniões estáveis também se aplicavam para pessoas do mesmo sexo) e das legislações existentes consideramos, na assessoria jurídica e na direção da entidade que uma ação nesse sentido seria viável e importante não só pelas possibilidades jurídicas mas também pela possibilidade de provocar um debate na sociedade a respeito do tema.
Contudo, nos deparamos com um problema grave: não tínhamos casais de mesmo sexo dispostos a enfrentar um processo tão ousado e que os deixaria tão expostos a mídia. Dentro do próprio SOMOS não havia militantes dispostos a “encarar” o desafio.
Numa tarde eu estava fazendo atendimento jurídico no SOMOS e surgiu um casal com um problema. Um deles era brasileiro e outro inglês. Eles precisavam do reconhecimento da união deles no Brasil para que o estrangeiro pudesse obter o visto de permanência definitivo no país. Falei para eles das possibilidades jurídicas para a solução do problema e por último, sem esperanças, falei da ação que estávamos pensando. Para minha surpresa ambos aceitaram o desafio e iniciamos o processo.
Solicitei todos os documentos necessários para o casamento e montei a ação que tinha como principal argumento o princípio que diz: “nas relações privadas o que não está proibido é permitido”. Com esse argumento fundamental eu justificava que o Código Civil Brasileiro, no seu artigo 1521 determina quem não pode se casar. Nessa relação do artigo 1521 não constam as pessoas do mesmo sexo, ou seja, não há proibição expressa para o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
A elaboração do processo não foi fácil. Não achei qualquer modelo para a ação. Não tinha certeza sobre que tipo de pedido fazer, nem mesmo sobre como chamar a ação. Optei por chamar de Ação para Habilitação ao Casamento Civil e Consequente Expedição de Certidão.Montado o processo entramos com a ação na Vara de Registros Públicos de Porto Alegre. Para nossa surpresa, pouco depois, o juiz se julgou incompetente para julgar o processo e remeteu o caso para a Vara de Família. A juíza da Vara de Família, por sua vez, também manifestou-se pela sua incompetência para julgar a ação. O processo foi submetido ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que determinou que a competência para o julgamento da ação era da Vara de Registros Públicos, contudo, ressaltou que os autores deveriam antes tentar buscar o casamento junto ao cartório de registro civil.
Neste processo o casal de autores da ação desistiu de prosseguir com a mesma.
Ficamos mais uma vez sem um casal que aceitasse o desafio de buscar junto ao Poder Judiciário o direito ao casamento civil.
Nesse momento, conversando com meu companheiro na época, resolvemos entrar com uma ação buscando o nosso direito ao casamento civil. Providenciamos a documentação, certidões de nascimento atualizadas, declarações de testemunhas dizendo que não éramos casados, comprovantes de residência, etc.
Antes de entrarmos com a ação buscamos o cartório de registro civil, conforme o Tribunal de Justiça havia recomendado no processo anterior. Pedi que meu estagiário fosse até o cartório e levasse a documentação para o casamento. Cerca de duas horas depois meu estagiário me ligou dizendo que haviam recusado nossa documentação no cartório. Fui até o Cartório e esperei o Tabelião para tratar do caso. Precisava ao menos da negativa dele para que pudesse comprovar no processo que eu havia atendido a recomendação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O Tabelião atendeu a mim e ao meu estagiário como se nós dois fossemos os demandantes do casamento. Disse que já havíamos conseguido direitos suficientes e que se ele admitisse aquela solicitação ele seria motivo de “chacota” no Tribunal de Justiça. Eu disse que não havia problema que ele pensasse daquela forma mas que eu precisava da negativa por escrito para que eu pudesse comprovar junto ao Tribunal de Justiça. O Tabelião se negou a fornecer uma declaração em que negava nosso pedido.
Procuramos então outro cartório e mais uma vez fomos motivo de deboche e também não atenderam a nossa solicitação de que a negativa nos fosse entregue por escrito.
Voltamos ao SOMOS e construímos a petição inicial relatando a nossa experiência junto aos cartórios. Entramos com a ação em março de 2008. O Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul emitiu um parecer confuso que era aberto com uma frase do Padre Antônio Vieira, falava nas novas configurações familiares mas concluía sugerindo que o direito fosse negado.
O Juiz de primeiro grau prolatou uma sentença de duas páginas dizendo em síntese que o casamento era entre homem e mulher.
Recorremos ao Tribunal de Justiça. O processo entrou na pauta no dia 11 de setembro de 2008, chovia muito em Porto Alegre. Na plateia, além da minha mãe, meu companheiro, meus colegas do SOMOS, professores universitários e a imprensa. Eu estava nervoso, estava atuando em causa própria e assumindo minha orientação sexual perante o Tribunal de Justiça. Todos elogiavam minha coragem e eu dizia que não fazia aquilo por coragem mas sim por coerência. O Desembargador relator votou pela impossibilidade jurídica do pedido. O Presidente da Câmara, Desembargador Rui Portanova, numa tentativa de convencer o terceiro desembargador pediu para votar antes e proferiu um voto memorável em favor dos Direitos Humanos, da igualdade e do pluralismo. Falou da responsabilidade social do Poder Judiciário. Tenho certeza que esse voto influenciou depois o voto do Ministro Aires Brito quando da votação do reconhecimento da união estável homossexual pelo Supremo Tribunal Federal.
O último desembargador a se manifestar votou, como esperado, contra a possibilidade do casamento civil para pessoas do mesmo sexo. Ficamos frustrados, sem dúvida, mas conforme havíamos previsto o julgamento gerou um enorme debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Demos muitas entrevistas, recebemos ligações de todo o Brasil. Muitos professores universitários se ofereceram para ajudar a fazer os recursos especial e extraordinário.
Meu companheiro se assustou com a repercussão, ele não tinha dimensão do quanto o caso seria polêmico. Para piorar ele recebeu uma ligação de um parente dizendo que tinha vergonha dele e que ele não usasse mais o sobrenome da família.
Elaboramos um recurso especial e outro extraordinário colocando toda a jurisprudência da união estável, juntamos tratados internacionais, legislação, etc.
Em 2009 os recursos ainda não haviam sido julgados quando eu e meu companheiro nos separamos e resolvemos desistir do processo.
Assim, ficamos mais uma vez sem um casal disposto da dar sequencia a um processo de casamento. Foi então que no início de 2009 fomos procurados o K. O. e L.P. duas mulheres lésbicas que acompanharam o processo anterior pelos jornais e que também queriam buscar a possibilidade de casamento civil.
Elaboramos a inicial do processo, juntamos a documentação e ingressamos novamente com a ação para Habilitação ao Casamento Civil. Novamente o juiz de primeiro grau indeferiu o pedido. Apelamos ao Tribunal de Justiça e, dessa vez o processo foi parar numa Câmara mais conservadora do Tribunal de Justiça. Fiz a sustentação oral, dessa vez mais seguro e me antecipando já aos argumentos que os desembargadores usariam. A sustentação oral que construímos na assessoria jurídica do SOMOS foi elogiada mas não sensibilizou os desembargadores que por unanimidade negaram o pedido dizendo, em síntese, que ao aceitar o pedido das partes o Poder Judiciário estaria invadindo a competência do Poder Legislativo. Mas o que mais me surpreendeu naquela audiência foi a manifestação do Ministério Público Estadual que disse, em suma, que se o caso fosse admitido abriria um precedente perigoso pois poderíamos voltar ao Poder Judiciário mais tarde para pedir o casamento entre três, quatro ou cinco pessoas.
Elaboramos o recurso especial onde reafirmamos que o Código Civil Brasileiro não proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo e que o reconhecimento da possibilidade de casamento civil entre homossexuais já vinha se afirmando nas próprias jurisprudências dos tribunais. Além disso, destacamos que a decisão da Justiça Estadual incorreu em negativa de vigência dos artigos 1521 e 1523 do Código Civil Brasileiro.
Em dezembro de 2010 renunciei ao processo para assumir um trabalho novo no Governo Federal e pude acompanhar o final do processo através do contato que mantenho com as autoras que hoje são minhas amigas. O final exitoso foi resultado de um trabalho que envolveu estudo, persistência e crença numa causa e na Justiça.
Hoje é necessário que acompanhemos a repercussão do julgamento do STJ nos estados e que lutemos para que as corregedorias de justiça recomendem que os cartórios de registro civil possibilitem o casamento civil direto entre pessoas do mesmo sexo, caso isso não aconteça vamos persistir pois um primeiro caminho já foi aberto, vamos segui-lo a até construir outros.
* Militante de Direitos Humanos e LGBT; advogado que ingressou com a ação para habilitação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Fonte: Blog do Eduardo Piza
O BEM DE FAMÍLIA E A UNIÃO HOMOAFETIVA
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06.outubro.2011 / Artigo
RICARDO ARCOVERDE CREDIE: O BEM DE FAMÍLIA E A UNIÃO HOMOAFETIVA
(RICARDO ARCOVERDE CREDIE, Mestre em Direito, Desembargador do TJSP, aposentado, autor do livro “Bem de Família – Teoria e Prática”, Saraiva, 2010)
Escrevi, já faz algum tempo, que o convívio homossexual não determinava a imunidade à apreensão judicial que a Lei 8.009/90 dispensou à entidade familiar.
Assim em razão de a Constituição Federal não definir a união estável senão “entre o homem e a mulher” (§ 3º do art. 226), e o Código Civil contemplar o casamento ou a união estável sempre na polaridade masculino-feminina, conforme os seus arts. 1.514 e 1.723: tinham-se então as uniões de pessoas do mesmo sexo como meras sociedades de fato e, em conseqüência, eram baldadas as expectativas de qualquer um dos seus protagonistas em obter o benefício da não-excussão da casa de morada.
Em poucos anos, no entanto, houve significativos avanços.
Se antes a família era tradicionalmente pautada pelas idéias de justas núpcias, bens e pátrio poder, em razão de transformações da sociedade este conceito vem agora abrindo espaço para novas fórmulas de estrutura, nos quais a preponderância de valores mais justos, como afetividade, igualdade, dignidade humana, pessoalidade, busca da felicidade, fazem diminuir a distância entre a realidade social e o direito posto, a alcançar-se aí uma interpretação que chegou mais às raízes dos princípios constitucionais.
O influxo jurisprudencial, que não poucas vezes baliza a evolução do Direito de Família e tem se antecedido no Brasil ao processo legislativo, alterou esta maneira de dizê-la simples convivência, para agora denominá-la união homoafetiva e erguê-la ao mesmo patamar jurídico da união estável heteroafetiva, como aliás já vem sendo denominada, em diferenciação .
Este desenvolvimento iniciou-se com mais destaque na doutrina e jurisprudência sul-riograndenses, se bem que em outros estados juristas e tribunais convergissem para o mesmo destino, em tempo no qual ainda se falava em união entre homossexuais.
O Superior Tribunal de Justiça também já avançava para a solução, e no mesmo rumo a própria Corte Suprema.
Coube por fim ao Supremo Tribunal Federal, em 5 de maio de 2011, quando julgou emsimultaneus processus duas ações diretas de inconstitucionalidade, proferir acórdão histórico, no qual se entendeu que tanto a Constituição quando o Código Civil, naqueles seus artigos relacionados com o tema, não mais deverão ser interpretados discriminatoriamente, como se vedadas as uniões entre pessoas do mesmo sexo, a prevalecerem sobre aquelas normas os princípios fundamentais da igualdade e dignidade da pessoa humana, contidos nos arts. 1º, inciso III, e 5º, caput, e inciso I, da nossa Carta Magna.
Os votos dos Ministros César Peluso, Gilmar Mendes e Ricardo Levandowski alertam que o trabalho apenas se inicia, diante das tantas e diversificadas hipóteses que a questão alcança.
Embora possam ser atribuídos de imediato direitos iguais aos da união estável masculino-feminina àquela de casal do mesmo sexo (como, p. ex., alimentos, sucessão, previdência social, planos de saúde, imposto de renda), há outros que – dependentes de leis a se editarem, ou ainda de tutelas jurisdicionais que se venham a suscitar – poderão não ser exercidos em futuro próximo. Entre estes, o casamento, inclusive a forma de conversão da união estável; a filiação; a fertilização; a adoção; e as situações registrais daí resultantes.
É de perguntar-se: entre os direitos que desde logo se exercitam na união estável homoafetiva (e este é o tema do que aqui se escreve), estará elencado o que decorre dobem de família?
Há de se responder que sim.
Conceitualmente, bem de família é a imunidade a quaisquer atos de apreensão judicial, entre eles a penhora, que venham a recair sobre imóvel, urbano ou rural, habitado por um grupo ou entidade familiar.
Não resta dúvida que o conceito abrangente de entidade familiar tem evoluído muito mais que aqueles literais “…cônjuges… …pais e filhos…” por primeiro enunciados no art. 1º da Lei no. 8.009, de 29 de março de 1990. De algum tempo para cá – e é indiscutível que o contributo, nesta mudança, advém do lavor pretoriano – qualquer que seja a família, a constituída pelo casamento, a resultante da união estável, a ligada por simples parentesco, a decorrente de relação concubinária e até mesmo a de residente singular, remanescente ou não dos demais agrupamentos, o seu lar estará protegido da constrição judicial.
A entidade familiar, quando ainda não era integrada pela união estável homoafetiva, já estava protegida pela Lei no. 8.009, de 1990.
Resultou daquele julgamento tornar-se a união estável homoafetiva espécie do gêneroentidade familiar, agora estendidos a esta última, pelo Supremo Tribunal Federal, os mesmos direitos que os casais heterossexuais têm nas suas uniões estáveis.
Incluiu-se, desta maneira, a nova modalidade, na categoria mais ampla de entidade familiar.
Diante da inserção da união estável homoafetiva na moldura estabelecida pela Lei no. 8009, que já privilegiava genericamente a entidade familiar, desde já e sem qualquer necessidade de declaração judicial ou legislativa, estendem-se àquela os benefícios da imunidade, relativa, que decorre do bem de família.
Desde que se comprove que pessoas de mesmo sexo habitam imóvel residencial, comum ou de um só dos parceiros, com ânimo definitivo, estará esse prédio excluído de quaisquer atos de constrição judicial, ressalvadas as exceções legais à regra geral da inexcutibilidade, constantes dos incisos I a VII do art. 3º da mesma Lei.
Acrescente-se mais: a decisão da Corte Suprema foi transmitida, pelo seu Presidente, a todos os tribunais e juízos do Brasil. Corolário do efeito vinculante assim atribuído é oprincípio da proibição do retrocesso social, que veda decisões que desconsiderem a existência, ora declarada, da união estável homoafetiva que, nas palavras abalizadas de MARIA BERENICE DIAS é “sinônimo perfeito de família” (Tribuna do Direito, setembro de 2011, p. 6 do informe do IBDFAM).
Some-se ainda a circunstância de as normas da Lei no. 8.009 merecerem e receberem sempre exegese teleológica ou finalística, ou seja, são e serão necessariamente interpretadas no escopo constitucional de proteção da família, sem que se distinga agora a maneira pela qual esse grupo esteja estruturado.
Finalizando: está resguardada de imediato a união estável homoafetiva sob o pálio dobem de família.
Fonte: site da APAMAGIS- Associação Paulista de Magistrados
Diversidade Sexual e Legislação ( Dr. Roger Raupp Rios)
0(Original em: http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=_BR&infoid=8637&sid=4)
Diversidade Sexual e Legislação
Roger Raupp Rios*
O debate público sobre iniciativas legislativas acerca de temas relevantes é dinâmica salutar e imprescindível à vida democrática. O objetivo deste texto é apresentar algumas notas diante da proposta de “Estatuto da Diversidade Sexual” (a seguir referido como PEDS), elaborada no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil, a partir de diálogo acadêmico com advogados, pesquisadores jurídicos e ativistas em direitos humanos e direitos sexuais.
Sem questionar em nenhum momento a urgência e a relevância da iniciativa, almeja-se contribuir para o desenvolvimento dos direitos humanos e fundamentais em nosso ordenamento jurídico, especialmente sob o prisma do direito da antidiscriminação e dos direitos sexuais.
Estas notas são uma contribuição mais imediata e pontual para o debate, sem os rigores acadêmicos pertinentes e sem pretensão de exaustividade. Daí a ausência de indicações bibliográficas e jurisprudenciais.
Nota 1: a estrutura E SISTEMATIZAÇÃO do PEDS
O PEDS divide-se em 18 seções. É de se destacar algumas delas, bem como sua relação.
A Seção I declara os objetivos (promover a inclusão, combater a discriminação e criminalizar a homofobia), aponta os sujeitos protegidos (heterossexuais, homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais) e enuncia sujeitos passivos de deveres jurídicos (o Estado e a sociedade).
A Seção II arrola “princípios fundamentais para a interpretação e aplicação” do PEDS, trazendo uma lista de direitos.
As seções III (direito à livre orientação sexual), IV (igualdade e não-discriminação), V (convivência familiar), VI (direito e dever à filiação, à guarda e à adoção), VII (identidade de gênero), VIII (saúde), IX (direitos previdenciários), X (educação), XI (trabalho), XII (moradia), XIII (acesso à justiça e à segurança), XIV (meios de comunicação) e XV (consumo) cuidam, basicamente, de direitos nos determinados âmbitos que arrolam.
A seção XVI cuida de direito penal, a partir de um tipo penal geral de homofobia e de 3 tipos específicos (indução à violência, discriminação no mercado de trabalho e nas relações de consumo).
A seção XVII trata de políticas públicas, de forma geral.
A seção XVIII enuncia um princípio geral de aplicação da legislação mais benéfica em favor de homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
A estrutura do PEDS, de início, revela problemas estruturais e de sistematização. Ao invés de organizar-se de acordo com (1) a enunciação dos conceitos jurídicos próprios para a compreensão e aplicação legislativas, (2) a disciplina dos respectivos direitos envolvidos e (3) a instituição de um sistema de promoção dos direitos, o PEDS carece de sistematização legislativa, comprometendo em muito a clareza de suas normas e a compreensão dos direitos estatuídos, com evidente prejuízo para a efetividade dos direitos envolvidos.
Neste ponto, mais que dificuldade de sistematização, o PEDS revela carência estrutural, divorciando-se daquilo que já se consolidou no direito legislado nacional, por exemplo, no Estatuto da Igualdade Racial, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto do Idoso, diplomas que se estruturam, observadas suas peculiaridades e pequenas variações, de acordo com os três eixos referidos no parágrafo acima.
Estes limites, que podem se relacionar com a dificuldade de compreensão dos direitos envolvidos e com a impropriedade de técnica legislativa, revelam sua repercussão em vários aspectos do PEDS. Alguns deles serão salientados nas notas abaixo.
Nota 2: imprecisões, omissões e critérios sobre o âmbito de proteção do PEDS
O PEDS carece de precisão quanto ao objeto de proteção jurídica que visa a promover.
O artigo inaugural aponta como objetivo do PEDS proteger direitos de todos e salienta a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero. O artigo 2º arrola sujeitos de direito determinados, de acordo com orientação sexual e identidade de gênero. Todavia, não há qualquer definição jurídica sobre gênero, orientação sexual ou identidade de gênero; há, ainda, a menção a heterossexuais, que poucas vezes se encontrará ao longo do PEDS.
Além de inexistir definições sobre os conceitos de orientação sexual e de identidade de gênero, o PEDS nada esclarece quanto àquilo que diz regular (“diversidade sexual”), nem contém definições, para efeitos jurídicos, do que seja “sexo” e “gênero”, apesar de referir-se, em alguns pontos do texto, a “desigualdade de gênero” e a “discriminação por motivo de sexo”.
Não se trata de buscar consenso acadêmico sobre temas tão polêmicos nas ciências humanas, o que seria inadequado e inexigível para um texto legal. No entanto, é necessário ter clareza destes termos, como conceitos operativos, para que seja possível a efetividade das normas jurídicas estatuídas, seja para a proteção dos direitos sexuais e da diversidade sexual, seja para a segurança jurídica de todos.
Diversamente das dificuldades conceituais (que não impedem, ao contrário, reclamam, a adoção de conceitos jurídicos operativos!) quanto aos termos “sexo”, “gênero”, “orientação sexual” e “identidade de gênero”, há consenso jurídico e definição constitucional quanto ao conceito de discriminação. De fato, tanto no âmbito do direito da antidiscriminação, quanto pela incorporação, como emenda constitucional, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto º 6.949, de 2009), o direito brasileiro conta com um conceito jurídico preciso de discriminação que, todavia, necessita de melhor tratamento e compreensão pelo PEDS.
A nota seguinte traça alguns elementos para este debate específico. Antes de a desenvolver, é fundamental salientar outro elemento estrutural, do ponto de vista conceitual, a ser superado no PEDS.
O PEDS diz proteger a diversidade sexual. A par de nada esclarecer sobre o que entende como “diversidade sexual”, o texto proposto adota a técnica de elencar potenciais sujeitos de direito protegidos, sem nada dispor sobre condutas sexuais, que se incluem na diversidade sexual, que não se qualificam como identidades sexuais.
Não há qualquer menção a práticas sexuais, cuja verificação independe dessa ou daquela identidade sexual (como, por exemplo, práticas sexuais sadomasoquistas entre adultos, de modo consensual, independente de orientação sexual), ou sobre atividades artísticas ou profissionais relacionadas à sexualidade.
Mesmo dentro da enunciação identitária, o PEDS nada se preocupa sobre critérios geracionais e sexualidade, cuja interseccção, como se sabe, é ocasião de discriminação e violência, como se dá, por exemplo, quanto a direitos sexuais de adolescentes e de idosos.
Uma alternativa a esta dificuldade, que implica em alteração substancial e estrutural, a exigir a elaboração de outra proposta legislativa, poderia tomar como ponto de partida o âmbito de proteção disciplina pela Lei nº 11.872/2002, do Estado do Rio Grande do Sul, cujo texto reza:
Art. 1º – O Estado do Rio Grande do Sul, por sua administração direta e indireta, reconhece o respeito à igual dignidade da pessoa humana de todos os seus cidadãos, devendo, para tanto, promover sua integração e reprimir os atos atentatórios a esta dignidade, especialmente toda forma de discriminação fundada na orientação, práticas, manifestação, identidade, preferências sexuais, exercidas dentro dos limites da liberdade de cada um e sem prejuízos a terceiros.
§ 1º – Estão abrangidos nos efeitos protetivos desta Lei todas as pessoas, naturais e jurídicas, que sofrerem qualquer medida discriminatória em virtude de sua ligação, pública ou privada, com integrantes de grupos discriminados, suas organizações ou órgãos encarregados do desenvolvimento das políticas promotoras dos direitos humanos.
§ 2º – Equiparam-se aos órgãos e organizações acima referidos a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, e sem personalidade jurídica, que colabore, de qualquer forma, na promoção dos direitos humanos.
Ainda quanto ao âmbito de proteção, o PEDS é omisso quanto à proteção de pessoas jurídicas e de coletividades de pessoas que colaborem na promoção dos direitos humanos relacionados à diversidade sexual.
Nota 3: “sexo”, “orientação sexual” e “identidade de gênero”: necessidade de clareza conceitual e relação com a proibição constitucional de discriminação
A ausência no texto do PEDS de conceitos jurídicos operativos torna dificílimas, quando não insuperáveis, as barreiras para a compreensão e aplicação de normas jurídicas que pretendem regular uma esfera da vida humana tão rica e delicada, como a sexualidade.
Por exemplo, quanto ao conceito de “sexo”. A lacuna indicada traz o risco de diminuir, com efeitos deletérios para os direitos sexuais, a compreensão do conceito de “sexo” comprometendo a proteção jurídica que os tratados internacionais de direitos humanos e a Constituição prevêem. Isto porque, quando o ordenamento jurídico se utiliza destes termos, especialmente o termo “sexo”, não se alcança somente a distinção entre “homens e mulheres”, considerados biologicamente, como também toda a discriminação motivada pelo gênero (vale dizer, as representações culturais, da masculinidade e da feminilidade).
Tanto assim que, por exemplo, um homem heterossexual, por ser considerado “afeminado”, poderá sofrer discriminação por motivo de sexo (aqui englobando, logicamente, o gênero, isto é, repita-se, as representações culturais associadas ao sexo biológico). Esta compreensão, a propósito, está presente desde o final dos anos 1950 na jurisprudência da Corte Européia de Justiça.
Ainda que não pareça querer restringir a idéia de gênero ao campo da “identidade de gênero”, o PEDS praticamente só faz menção ao gênero em tal contexto, o que pode induzir a interpretações restritivas, que protegem de modo insuficiente contra a discriminação.
No que se refere à “orientação sexual”, o PEDS não esclarece qual elemento qualifica, para fins de aplicação da lei, nem quem são os destinatários da proteção antidiscriminatória. É necessário definir de modo mais claro quando alguém ou alguma situação configura discriminação em relação à “homossexualidade”, “heterossexualidade” e “bissexualidade”.
Pergunta-se: trata-se de proteção de alguém que se identifica como tal ou que é identificado por terceiros, esteja este sujeito de acordo ou não com a identificação alheia? Por exemplo: se Pedro é discriminado por um agente público, em virtude deste atribuir-lhe a identidade homossexual, apesar de Pedro só se interessar sexualmente pelo sexo oposto, configura-se a hipótese protegida contra discriminação? Se algum agente privado percebe troca de amabilidades entre dois heterossexuais e os discrimina por este fato, incide o comando legal? Se Maria tem uma conduta sexual dirigida a outra mulher, e se declara heterossexual, está protegida? Estas hipóteses deixam claro que é necessário definir “orientação sexual” de modo mais claro e preciso, tanto para propiciar segurança jurídica, quanto para tornar mais efetiva a legislação.
Considera-se, para início do debate, que não é tarefa da legislação nem da ciência jurídica definir o que são “sexo”, “orientação sexual” e “identidade de gênero”. Tais definições são totalmente inapropriadas para a ciência jurídica, sendo objeto de outros campos do saber e da dinâmica social e cultural.
Ao invés disso, a lei andará muito melhor se definir o âmbito de proteção antidiscriminatória, a partir do conceito jurídico constitucional de discriminação. Nos seus termos, pode-se assim sugerir:
“Para os fins desta lei, constitui discriminação qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, motivada por motivo de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, que tenha o propósito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública.
A seguir, pode-se inserir um artigo explicitando hipóteses de discriminação conforme os critérios listados, do seguinte modo:
– Para os efeitos do artigo anterior, consideram-se “discriminação por motivo de sexo” as distinções, exclusões, restrições ou preferências relacionadas a referências biológica, morfológica, genética, hormonal ou qualquer outro critério distintivo que importe nas designações sexuais relativas a homens e mulheres; “discriminação por motivo de orientação sexual” as distinções, exclusões, restrições ou preferências relacionadas a identidade, comportamento, preferência, conduta, ou qualquer outro critério distintivo, que importe na atribuição da homossexualidade, heterossexualidade ou bissexualidade; “discriminação por motivo de identidade de gênero” as distinções, exclusões, restrições ou preferências relacionadas a identidade, comportamento, preferência, conduta, ou qualquer outro critério distintivo, que importe na atribuição da condição travesti ou transexual.
Parágrafo único: a proteção às discriminações referidas alcança as distinções, exclusões, restrições ou preferências relacionadas ao gênero, não importa o sexo, a orientação sexual ou a identidade de gênero dos envolvidos.
Por fim, ainda quanto a este ponto, é necessário explicitar, na linha dos tratados internacionais de direitos humanos e do direito antidiscriminatório, que ações afirmativas que considerem sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, por não constituírem discriminação, mas, ao contrário, medidas de combate à discriminação, não configuram discriminação.
Neste sentido:
“Para os efeitos desta lei, não são consideradas discriminação as medidas especiais, tomadas com o objetivo de assegurar a progresso adequado de grupos discriminados, bem como o enfrentamento da discriminação por eles experimentada, a fim de propiciar a proteção necessária para o gozo e o exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais.”
NOTA 4: aspectos penais do PEDS
Ponto de extrema importância é o tratamento legislativo separado por proposto para a homofobia. O PEDS cria um regime legislativo que aparta a proteção jurídica penal em face da homofobia diante de outras formas de discriminação, cuja proteção jurídica penal se insere na Lei 7716/1989 (que trata dos crimes decorrentes do preconceito por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional). Este limite, com efeito, é o mesmo apresentado pelo substitutivo anteriormente proposto para o PLC 122. A redação do PEDS, neste ponto, é idêntica ao anterior substitutivo, com o acréscimo de um tipo penal geral de “homofobia”.
Do ponto de vista jurídico, não há motivo para esta separação legislativa. Ao contrário, ela prejudica o desenvolvimento e a efetividade do direito antidiscriminatório brasileiro, não trazendo nem segurança jurídica, nem coerência ao sistema jurídico e à aplicação da lei.
Além disso, as esferas jurídicas protegidas estão aquém da proteção propiciada pela Lei 7716/89, caracterizando um tratamento desigual e discriminatório em face dos diversos grupos sujeitos à discriminação, a princípio, vício de inconstitucionalidade. Isso sem se falar na proteção jurídica insuficiente, dada a omissão em áreas onde o enfrentamento da discriminação homofóbica é imprescindível, o que também compromete a constitucionalidade do substitutivo.
Neste contexto, a opção pelo tratamento da homofobia de modo apartado à lei geral antidiscriminatória não é mera opção legislativa, mas aponta para uma desvalorização da proteção jurídica quando o assunto é homofobia.
A limitação da proteção penal somente para as esferas do mercado de trabalho, das relações de consumo e para hipótese de incitação de violência é inadequada e deixa faltando, do ponto de vista penal, toda a proteção contra discriminação que a Constituição exige em muitas outras esferas essenciais da vida.
Basta um rápido olhar sobre o direito já existente, especialmente as Leis nº 7.716 (com as redações das Leis nº 9.459/1997 e 12.228/2010) e a nº 7.437/1985:
a) na oferta e prestação de serviços públicos (comparar com a Lei nº 7.716, art. 12);
b) no âmbito educacional, público ou privado (comparar com a Lei nº 7.716, art. 6º);
c) nos meios de comunicação (comparar com a Lei nº 7.716, art. 20, p. 2º), inclusive pela internet (art. 20, p. 2º, III);
d) nos serviços de saúde, públicos ou privados;
e) nas relações de família (comparar com a Lei nº 7.716, art. 14);
f) em diversos espaços de convívio social (comparar com a Lei nº 7.716, arts. 9º e 11);
g) nas Forças Armadas (comparar com a Lei nº 7.716, art. 13);
Ainda mais: a seção que trata da criminalização da homofobia, no PEDS, abre sua redação com o seguinte artigo:
Art. 100 – Praticar condutas discriminatórias ou preconceituosas previstas neste
Estatuto em razão da orientação sexual ou identidade de gênero,
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
§ 1º – Incide na mesma pena toda a manifestação que incite o ódio ou
pregue a inferioridade de alguém em razão de sua orientação sexual ou de identidade de gênero.
O texto proposto é bastante problemático e aponta para intensa e grave polêmica jurídica. Os regimes democráticos consagram, na formulação do direito penal, a técnica do direito penal do fato, em oposição aos regimes ditatoriais e autoritários, que tendem a criminalizar determinados sujeitos (direito penal do autor). A redação proposta aproxima-se perigosamente do direito penal do autor, na medida em que não enuncia quais as condutas que configuram crime de homofobia, fazendo uma remessa indiscriminada a outros artigos do PEDS, sem dizer quais, nem graduar a gravidade de tal ou qual conduta objeto de criminalização, em desatenção flagrante à proporcionalidade.
Nesta linha, é de se notar que a pena para o tipo penal geral de homofobia é maior que as penas previstas para os tipos penais específicos dos artigos seguintes (artigos 101 a 103).
Não bastasse repetir todas as limitações já apontadas no anterior substitutivo ao PLC 122, a redação da seção criminal do PEDS (art. 100) apresenta vagueza e indeterminação tão elevadas que comprometem a constitucionalidade da norma penal proposta.
Nota 5: sobre a diversidade de matérias e necessidade de sistematização
O exame inicial do PEDS revela proteção jurídica insuficiente ou inadequada para vários domínios jurídicos específicos. Abaixo são elencados alguns itens, a título exemplificativo.
De um lado, há insuficiência em face de diversas manifestações da sexualidade e de variadas violações aos direitos sexuais. É o que já foi referido, por exemplo, quando acima foram mencionadas práticas e condutas sexuais que não se confundem com a lista de sujeitos sexuais preconizada pelo PEDS, bem como com fases da vida e o exercício da sexualidade. Defeito do mesmo teor se apresenta pela omissão quanto a esferas da vida onde a homofobia está presente de modo muito intenso, recorrente e violento, como as relações intrafamiliares, mormente nas relações entre pais e filhos (para tanto, deve-se ir além da regra do artigo 31).
Por outro lado, há inadequação e insuficiência quanto a determinadas previsões sobre diversos ramos do ordenamento jurídico, tais como:
a) direito processual civil (nada há sobre procedimentos coletivos e legitimidade processual, por exemplo; conflito entre o art. 80 e o art. 5º,LX, da CF/88);
b) direito à saúde (há conflitos, tais como entre o artigo 48 e 50, parágrafo único, bem como incongruências: art. 52 e 53);
c) direito à educação (o artigo 59 é muito restrito, pois se resume a identidades; repetições desnecessárias: arts. 60 e 61; contradições com políticas universalistas típicas: art. 64);
d) direito do trabalho (indefinição comprometedora do significado e da eficácia das medidas: art. 73);
e) direito da comunicação (ausência de regulamentação específica sobre direito de resposta);
f) direitos de personalidade (contradição entre a garantia constitucional da privacidade e dever de quesito sobre orientação sexual: art. 48);
g) direito internacional privado (a determinação do artigo 18 pode ser flagrantemente contrária à proteção dos direitos fundamentais sexuais, na hipótese de o domicílio familiar ser regido por legislação mais restritiva, e até explicitamente discriminatória, que a lei brasileira).
Outro aspecto é a mistura de temas e áreas do direito, freqüente na redação do Estatuto (por exemplo, direito militar e identidade de gênero; direito de família, direito à identidade de gênero e direito à saúde).
Mesmo quando trata de direitos fundamentais, o PEDS enuncia direitos em um momento (art. 5º), apesar de tratar dos mesmos, em outro momento, não como direitos, mas como princípios de interpretação (art. 4º).
CONCLUSÃO
Esta nota é somente uma contribuição para o debate jurídico desencadeado a partir da proposição do PEDS, onde alguns pontos são destacados. Muitos outros requerem exame e atenção, que, por espaço e tempo, aqui não foram objeto de atenção.
O que estas notas apontam, além dos conteúdos jurídicos imediatamente vinculados, é (a) a necessidade de avaliar-se a adequação e a oportunidade da legislação que ora se apresenta como projeto, cujo caráter compreensivo traz tantos aspectos tão díspares e carentes de maior precisão; (b) a necessidade de amadurecimento quanto às prioridades políticas e legislativas envolvendo a diversidade sexual, na medida em que projeto tão vasto acaba por diminuir, mais e mais, as chances de aprovação de legislação que criminalize a homofobia, nos termos do PLC 122; (c) o alerta para que, acaso adotada a formulação estatutária, que se apresente projeto mais robusto, coerente e consistente, do ponto de vista jurídico.
*Juiz Federal, Mestre e Doutor em Direito Público (UFRGS), Professor do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da UniRitter (Porto Alegre). Autor de diversas publicações sobre direito da antidiscriminação e direitos sexuais (Em Defesa dos Direitos Sexuais e Direito da Antidiscriminação, ambos pela Editora Livraria do Advogado)
Publicada em: 14/09/2011 às 12:00 artigos e resenhas
Juíza converte em casamento união estável entre duas mulheres
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O juízo da Comarca de São Bernardo do Campo homologou, no último dia 7, a conversão de união estável em casamento entre duas mulheres. Essa é a segunda vez que ocorre a conversão de união estável em casamento homoafetivo no Estado de São Paulo e a primeira relacionada à união de pessoas do sexo feminino.
As requerentes protocolaram a solicitação em que afirmavam viver em união estável há sete anos. O Ministério Público se manifestou contrariamente ao pedido.
O pedido foi instruído com escritura pública de união estável, lavrada aos 20 de junho de 2011, perante o 1º Tabelião de Notas de São Bernardo do Campo, onde declararam viver em união estável desde 30 de julho de 2003.
Segundo a justiça, ”…verifica-se que um dos efeitos e consequências da união estável entre pessoas de sexos distintos é precisamente a possibilidade de conversão em casamento. Nesse sentir, anoto que a própria Constituição Federal determina que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento”.
A decisão afirma que o artigo 1.514 do Código Civil expressamente prevê que “o casamento se realizará no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vinculo conjugal”, mas que a própria Constituição não faz tal exigência. “Por derradeiro, repita-se que o comando emanado pelo E. Supremo Federal é claro: à união estável entre as pessoas do mesmo sexo devem ser aplicadas as mesmas regras e consequencias da união estável heteroafetiva.”
Por vontade das partes elas continuarão a utilizar os seus nomes de solteira. O regime é de comunhão parcial de bens.
Assessoria de Imprensa TJSP – SO (texto) / AC (foto ilustrativa)
imprensatj@tjsp.jus.br
Fonte: http://www.tj.sp.gov.br/Noticias/Noticia.aspx?Id=11027
NOTAS SOBRE O SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI 122 (CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA)
0Por: Roger Raupp Rios
O objetivo desta nota é contribuir, do ponto de vista jurídico, com a reflexão sobre o substitutivo ao Projeto de Lei nº 122, que criminaliza a homofobia. A redação do substitutivo que ora se noticia, se comparada aos termos originais, suscita muitas indagações jurídicas. Dada a importância e a necessidade do combate à homofobia, é imprescindível colaborar, trazendo ao debate, ainda que de modo pontual e sucinto, alguns tópicos de grande relevância.
Nesta nota, são apenas suscitados alguns tópicos que saltam aos olhos à primeira vista, merecendo aprofundamento e aperfeiçoamento no projeto, desde sua concepção até seus conceitos e estrutura. Não se pretende qualquer apreciação exaustiva, nem definitiva, sequer sobre os pontos listados.
Com efeito, os direitos humanos e fundamentais requerem, para sua efetividade, uma série de medidas por parte do Estado e da sociedade. No caso do direito de igualdade, cujo conteúdo jurídico exige o combate a toda forma de discriminação, são necessárias medidas protetivas, inclusive por meio do direito penal, dada a intensidade de certas modalidades de discriminação e a gravidade das lesões daí decorrentes. Este, sem dúvida, é o caso da discriminação contra homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, denominada de “homofobia”. No mundo todo há registros constantes e persistentes de grave violência física e simbólica contra tais indivíduos e grupos.
NOTA 1: sobre a criminalização da homofobia.
Sobre o ponto, reproduzimos manifestação lançada no jornal Folha de São Paulo (edição de 25 de agosto de 2007, por Roger Raupp Rios):
Um instrumento justo e necessário
UM DOS desafios básicos para a democracia no Brasil é a construção de uma sociedade sem discriminações, em que a liberdade de cada um conduzir sua vida de modo autônomo seja respeitada. Para tanto, é preciso agir em várias frentes: medidas educativas, oportunidades de participação política e serviços públicos de saúde, segurança e justiça preparados para lidar com a diversidade -tudo isso é necessário.
Nesse contexto, a legislação antidiscriminatória se revela, ao lado das demais iniciativas, um dos instrumentos mais importantes. Não é por acaso que, desde o final do nazi-fascismo, preconceito e discriminação têm sido criminalizados. No Brasil, por exemplo, a lei nº 7.716/1989 define como crime tratamentos prejudiciais por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
As funções que a legislação penal cumpre são insubstituíveis: além de possibilitar a punição de atentados graves contra a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade humana, a lei penal tem caráter pedagógico e simbólico. Ela aponta quais são os bens jurídicos mais relevantes, dentre os quais se inclui, sem dúvida, numa sociedade democrática e pluralista, o respeito à diversidade.
Tudo isso se torna urgente quando preconceitos, costumes e visões de mundo se voltam contra cidadãos pelo simples fato de não se identificarem ou não serem percebidos como heterossexuais (homofobia).
Desde há muito, homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais sofrem agressões físicas e morais intensas: assassinatos, espancamentos, ofensas verbais, demissão do emprego e exclusão escolar são terrível e vergonhosamente freqüentes. Essa dinâmica é alimentada, direta e indiretamente, por opiniões e atitudes intolerantes diante de tudo que contrarie essa mentalidade heterossexista.
Nesse quadro, a inclusão da homofobia entre as formas de discriminação penalmente puníveis é justa e necessária. Necessária porque, além de ter caráter repressivo pela punição de atos homofóbicos, atua preventivamente, evitando e desencorajando tais práticas. Justa porque fortalece o respeito à diversidade e à dignidade humana, sem o que não há garantias para a igual liberdade de todos, independentemente de cor, origem, religião, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou outras formas de discriminação.
Deixar a homofobia fora da lista de discriminações que a lei penal sanciona é atentar gravemente contra a democracia, a liberdade e a dignidade humanas, relegando um sem-número de cidadãos a uma cidadania de segunda classe.
Ao mesmo tempo, é minar o convívio pluralista e tolerante, sem o que ninguém pode sentir-se seguro de que não será discriminado em virtude de sua identidade ou escolhas fundamentais relacionadas a cor, origem, religião, raça, sexo, gênero, orientação sexual, deficiência ou idade.
No caso da homofobia, há muito que avançar, pois homossexuais, travestis e transexuais ainda são estigmatizados e subjugados como seres abjetos.
Não se trata de cerceamento das liberdades de opinião ou de religião. Assim como na proibição do racismo, o que se quer evitar é que a injúria e a agressão, fomentadoras do ódio e da violência, campeiem sem restrições, pondo em risco e ofendendo a vida e a dignidade.
A proibição de discursos e práticas discriminatórias não inviabiliza as liberdades de opinião, crença e manifestação. Ao contrário, a prática das liberdades no mundo plural requer seu exercício sem violência ou intolerância (como, aliás, legitimamente ocorre na criminalização do escárnio público de alguém por crença religiosa).
Prover o Brasil dos instrumentos para combater a homofobia é tanto mais necessário quanto mais vulneráveis são os indivíduos e grupos objeto de preconceito e quanto mais intensa é a discriminação.
Trata-se não só de imperativo constitucional e de compromisso democrático como também do respeito que é devido a todos os seres humanos, independentemente de identidade, preferência ou orientação sexual.
NOTA 2: o regime geral no direito penal antidiscriminatório brasileiro (Lei nº 7.716/1989) e a apartação do substitutivo
Ponto de extrema importância é o tratamento legislativo separado por proposto para a homofobia. O substitutivo cria um regime legislativo que aparta a proteção jurídica penal em face da homofobia diante de outras formas de discriminação, cuja proteção jurídica penal se insere na Lei 7716/1989 (que trata dos crimes decorrentes do preconceito por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional).
Do ponto de vista jurídico, não há motivo para esta separação legislativa. Ao contrário, ela prejudica o desenvolvimento e a efetividade do direito antidiscriminatório brasileiro, não trazendo nem segurança jurídica, nem coerência ao sistema jurídico e à aplicação da lei.
Além disso, as esferas jurídicas protegidas pelo substitutivo estão aquém da proteção propiciada pela Lei 7716/89, caracterizando um tratamento desigual e discriminatório em face dos diversos grupos sujeitos à discriminação, a princípio, vício de inconstitucionalidade. Isso sem se falar na proteção jurídica insuficiente, dada a omissão em áreas onde o enfrentamento da discriminação homofóbica é imprescindível, o que também compromete a constitucionalidade do substitutivo.
Neste contexto, a opção pelo tratamento da homofobia de modo apartado à lei geral antidiscriminatória não é mera opção legislativa, mas aponta para uma desvalorização da proteção jurídica quando o assunto é homofobia.
Nota 3: “sexo”, “orientação sexual” e “identidade de gênero” na redação do substitutivo
O texto substitutivo adota uma compreensão do conceito de “sexo” muito restrita, diminuindo, de forma inconstitucional, a proteção jurídica que os tratados internacionais de direitos humanos e a Constituição prevêem. Isto porque, quando o ordenamento jurídico se utiliza destes termos, especialmente o termo “sexo”, não se alcança somente a distinção entre “homens e mulheres”, considerados biologicamente, como também toda a discriminação motivada pelo gênero (vale dizer, as representações culturais, da masculinidade e da feminilidade).
Tanto assim que, por exemplo, um homem heterossexual, por ser considerado “afeminado”, poderá sofrer discriminação por motivo de sexo (aqui englobando, logicamente, o gênero, isto é, repita-se, as representações culturais associadas ao sexo biológico). Esta compreensão, a propósito, está presente desde o final dos anos 1950 na jurisprudência da Corte Européia de Justiça.
Ainda que não pareça querer restringir a idéia de gênero ao campo da “identidade de gênero”, o texto substitutivo somente faz menção ao gênero em tal contexto, o que pode induzir a interpretações restritivas, que protegem de modo insuficiente contra a discriminação.
No que se refere à “orientação sexual”, a definição proposta pelo substitutivo não esclarece qual elemento qualifica, para fins de aplicação da lei, quem são os destinatários da proteção antidiscriminatória. É necessário definir de modo mais claro quando alguém ou alguma situação configura discriminação em relação à “homossexualidade”, “heterossexualidade” e “bissexualidade”.
Pergunta-se: trata-se de proteção de alguém que se identifica como tal ou que é identificado por terceiros, esteja este sujeito de acordo ou não com a identificação alheia? Por exemplo: se Pedro é discriminado por um agente público, em virtude deste atribuir-lhe a identidade homossexual, apesar de Pedro só se interessar sexualmente pelo sexo oposto, configura-se a hipótese protegida contra discriminação? Se algum agente privado percebe troca de amabilidades entre dois heterossexuais e os discrimina por este fato, incide o comando legal? Se Maria tem uma conduta sexual dirigida a outra mulher, e se delcara heterossexual, está protegida? Estas hipóteses deixam claro que é necessário definir “orientação sexual” de modo mais claro e preciso, tanto para propiciar segurança jurídica, quanto para tornar mais efetiva a legislação.
Considera-se, para início do debate, que não é tarefa da legislação nem da ciência jurídica definir o que são “sexo”, “orientação sexual” e “identidade de gênero”. Tais definições são totalmente inapropriadas para a ciência jurídica, sendo objeto de outros campos do saber e da dinâmica social e cultural.
Ao invés disso, a lei andará muito melhor se definir o âmbito de proteção antidiscriminatória, a partir do conceito jurídico constitucional de discriminação. Nos seus termos, pode-se assim sugerir:
“Para os fins desta lei, constitui discriminação qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, motivada por motivo de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, que tenha o propósito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública.
A seguir, pode-se inserir um artigo explicitando hipóteses de discriminação conforme os critérios listados, do seguinte modo:
– Para os efeitos do artigo anterior, consideram-se “discriminação por motivo de sexo” as distinções, exclusões, restrições ou preferências relacionadas a referências biológica, morfológica, genética, hormonal ou qualquer outro critério distintivo que importe nas designações sexuais relativas a homens e mulheres; “discriminação por motivo de orientação sexual” as distinções, exclusões, restrições ou preferências relacionadas a identidade, comportamento, preferência, conduta, ou qualquer outro critério distintivo, que importe na atribuição da homossexualidade, heterossexualidade ou bissexualidade; “discriminação por motivo de identidade de gênero” as distinções, exclusões, restrições ou preferências relacionadas a identidade, comportamento, preferência, conduta, ou qualquer outro critério distintivo, que importe na atribuição da condição travesti ou transexual.
Parágrafo único: a proteção às discriminações referidas alcança as distinções, exclusões, restrições ou preferências relacionadas ao gênero, não importa o sexo, a orientação sexual ou a identidade de gênero dos envolvidos.
Por fim, ainda quanto a este ponto, é necessário explicitar, na linha dos tratados internacionais de direitos humanos e do direito antidiscriminatório, que ações afirmativos que considerem sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, por não constituírem discriminação, mas, ao contrário, medidas de combate à discriminação, não configuram discriminação.
Neste sentido:
“Para os efeitos desta lei, não são consideradas discriminação as medidas especiais, tomadas com o objetivo de assegurar a progresso adequado de grupos discriminados, bem como o enfrentamento da discriminação por eles experimentada, a fim de propiciar a proteção necessária para o gozo e o exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais.”
NOTA 4: sobre a limitação das esferas protegidas no substitutivo
A limitação da proteção penal somente para as esferas do mercado de trabalho, das relações de consumo e para hipótese de incitação de violência é inadequada e deixa faltando, do ponto de vista penal, toda a proteção contra discriminação que a Constituição exige em muitas outras esferas essenciais da vida.
Basta um rápido olhar sobre o direito já existente, especialmente as Leis nº 7.716 (com as redações das Leis nº 9.459/1997 e 12.228/2010) e a nº 7.437/1985:
a) na oferta e prestação de serviços públicos (comparar com a Lei nº 7.716, art. 12);
b) no âmbito educacional, público ou privado (comparar com a Lei nº 7.716, art. 6º);
c) nos meios de comunicação (comparar com a Lei nº 7.716, art. 20, p. 2º), inclusive pela internet (art. 20, p. 2º, III);
d) nos serviços de saúde, públicos ou privados;
e) nas relações de família (comparar com a Lei nº 7.716, art. 14);
f) em diversos espaços de convívio social (comparar com a Lei nº 7.716, arts. 9º e 11);
g) nas Forças Armadas (comparar com a Lei nº 7.716, art. 13);
Com efeito, as esferas acima indicadas registram altíssimo grau de discriminação homofóbica, especialmente as relações de família, saúde, educação e meios de comunicação social.
CONCLUSÃO
Esta nota é somente uma contribuição para o debate jurídico do substitutivo apresentado ao PL 122, onde alguns pontos são destacados. Muitos outros requerem exame e atenção, que, por espaço e tempo, aqui não foram objeto de atenção. O que se espera, com sua elaboração, é colaborar para a efetividade do direito de igualdade e o aperfeiçoamento do direito antidiscriminatório brasileiro.
O Brasil e o casamento civil homoafetivo
1fonte: http://www.juristas.com.br/informacao/revista-juristas/o-brasil-e-o-casamento-civil-homoafetivo/316/
A discussão sobre as uniões homoafetivas nunca esteve tão em alta como nos últimos tempos, após o histórico julgamento da ADPF 132 e ADI 4277 pelo STF. Como previsto, como efeito da decisão, a celeuma passou para a possibilidade – ou não – da conversão da união estável homoafetiva em casamento. Já se dizia que essa possibilidade era inafastável. E tal ideia acabou de se concretizar.
Amanhã, dia 28 de junho de 2011, um casal de homossexuais masculino, que vivem juntos há 8 anos, receberão das mãos do Oficial do Cartorio de Registro Civil a certidão de casamento civil.
No dia 06 de Junho deste ano, Luiz André Rezende Sousa Moresi e José Sergio Sousa Moresi, protocolaram o pedido de conversão da união estável em casamento civil. Foi publicado o edital e cumpridas todas as formalidades legais para a habilitação para o casamento, inexistindo impugnações. O Promotor Público da Cidadania Dr. Luiz Berdinaski se manifestou favoravelmente ao pedido, e hoje, 27 de Junho, o Juiz da 2ª Vara da Família da Comarca de Jacareí-SP, Dr. Fernando Henrique Pinto, homologou o pedido.
É mister ressaltar alguns pontos da fundamentação do douto Magistrado. De pronto, o juiz ressaltou a importância da máxima da isonomia, em suas palavras “maior e mais repetido princípio da Constituição da República Federativa do Brasil”. Sublinhou também a relevância da dignidade da pessoa humana e o fato de nossa constituição consagrar a liberdade e proibir discriminações em função de raça, cor, credo, sexo – ou quaisquer outros tipos de discriminação.
Discorreu sobre como a ausência de proteção jurídica às uniões homoafetivas – fato público e notório – causou toda sorte de injustiças. Lembrou da ADI 4277, que buscava – como conseguiu – a equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis, e destacou que entendimentos contrários só poderiam ser oriundos de discriminação e/ou preconceitos religiosos. Mas, em suas palavras, “o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário é um dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação e é laico (…) É bom e necessário que assim seja, pois alguns dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam com princípios e garantias da Constituição da República Federativa do Brasil”.
O douto magistrado advertiu também para a necessidade de se atentar que a homossexualidade não se trata de uma mera opção. Aliás, assim também o fizeram os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, no julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277. A orientação sexual nunca será um simples gosto ou escolha. Ninguém se encaminha, sponte propria, para a homossexualidade (como para a heterossexualidade, obviamente). Trata-se de uma característica do indivíduo, como a cor dos olhos, a estrutura capilar, as aptidões, o caráter, etc.
Recordou ainda o juiz que o casamento perdeu a finalidade procriativa que outrora já teve. Salientou que, se assim não fosse, os casamentos entre pessoas heterossexuais inférteis, ou em idade avançada, incapazes de se reproduzir, estariam vedados. E afirmou, sabiamente, que “o motivo maior da união humana é – ou deveria ser – o amor (…) valor e a virtude máxima fundamental”.
Por último, antes finalizar a breve e sensível sentença, sinalizou a aprovação em 17 de Junho deste ano, pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, de uma resolução histórica, cujo intuito é promover a igualdade entre todos os seres humanos, sem diferenciação em virtude de orientação sexual ou identidade de gênero. Dito isto, homologou a conversão da união estável em casamento, onde os nubentes puderam adotar o sobrenome um do outro. É dispensável dizer que a sentença tem efeitos imediatos.
Agora, por força dos fatos, do amor e da justiça, Luiz André e José Sérgio podem se chamar de marido … e marido. E que sejam felizes para sempre … !
Graduada em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – Unipê (2006);
Especialista em Ciências Jurídicas (Direito de Família, Contrato de Transporte e Direito Comercial Internacional) pela Universidade de Lisboa (2008);
Pós-Graduada em Filiação, Adoção e Proteção de Menores pela Universidade de Lisboa (2008);
Pós-Graduada em Direito da Bioética e da Medicina pela Associação Portuguesa da Direito Intelectual e Universidade de Lisboa (2008);
Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa (2010);
Doutoranda em Direito Civil pela Universidade de Coimbra;
Diretora de Relações Internacionais do IBDFAM – PB;
Vice-Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo da OAB/PB;
Membro da International Society of Family Law, da American BAR Association, da International BAR Association e da World Association for Medical Law;
Pesquisadora Assistente do Instituto de Investigación Científica da Universidade de Lima – Perú;
Professora convidada do curso de Pós-Graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Católica de Santos;
Membro do Conselho Editorial da Revista Jus Scriptum – Lisboa;
Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Médico e da Saúde – Brasil;
Autora da obra “Homoafetividade e Direito”, Editora Juruá (2011) e de diversos artigos jurídicos publicados em obras coletivas e revistas especializadas, no Brasil, Portugal, Perú e Argentina.