NOTA DE SOLIDARIEDADE às moradoras e aos moradores do Pinheirinho/São José dos Campos
25/01/2012
O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, vem manifestar sua absoluta solidariedade com as moradoras e os moradores do terreno conhecido por Pinheirinho, em São José dos Campos, que foram retirados coercitivamente do local por força de decisão da Justiça Estadual em ação de reintegração de posse proposta pela Massa Falida da empresa proprietária do terreno, repudiando veementemente os excessos violentos da Polícia relatados na internet (1), os quais o Governador de São Paulo disse que irá apurar (2).
O direito fundamental à moradia das moradoras e dos moradores do Pinheirinho não poderia ser singelamente desconsiderado pela decisão que concedeu a liminar de reintegração de posse. O GADvS não irá discutir a polêmica instaurada sobre a competência para julgar o caso, se da Justiça Federal ou da Justiça Estadual, o que está sendo discutido no Superior Tribunal de Justiça (3) e no Supremo Tribunal Federal (4). De qualquer forma, fato é que merece críticas a decisão que manteve liminar de reintegração de posse em um processo que tem uma situação consolidada de milhares de pessoas morando no referido terreno há muitos anos. No mínimo neste contexto, o juízo estadual da 06ª Vara Cível de São José dos Campos e o Tribunal de Justiça de São Paulo deveriam ter dado prevalência ao direito fundamental à moradia das pessoas que habitam o Pinheirinho há anos, pois considerando que a proprietária é uma empresa falida, temos mero interesse financeiro em contraposição ao direito fundamental à moradia das pessoas residentes no Pinheirinho. Na ponderação dos bens em jogo, a moradia há de prevalecer sobre o mero direito de crédito – em especial para fins de liminar, pois não parece haver “perigo na demora” (requisito da liminar) em uma situação consolidada de ocupação e moradia de aproximadamente oito anos…
Nesse sentido, todas as esferas governamentais merecem profunda crítica por não terem resolvido extrajudicialmente a presente situação, a despeito dos muitos anos de tramitação deste processo (a primeira ordem de reintegração de posse data de 2004, consoante demonstra consulta ao andamento do referido processo (5)). União, Estado e Município poderiam perfeitamente ter articulado um acordo com a massa falida da empresa proprietária e ter desapropriado referido terreno mediante a justa e prévia indenização constitucionalmente assegurada para casos de desapropriação, mas nada fizeram, como bem relata o Juízo da 06ª Vara Cível de São José dos Campos sobre o tema, segundo o qual “a intenção de regularização da área pelo Poder Executivo e/ou Legislativo vem sendo noticiada pelos requeridos desde a ocupação irregular e até hoje nenhuma atitude palpável foi tomada no sentido de legalizar o assentamento” (6).
Contudo, merece críticas referido juízo ao negar prevalência ao direito fundamental à moradia das pessoas residentes no Pinheirinho, sob a simplória alegação de que o tema se referiria unicamente a direito privado, de mera discussão de posse, e que isso [supostamente] impediria o Estado-juiz de decidir sobre o direito fundamental à moradia (7). Ora, é pacífico que as normas constitucionais se irradiam na interpretação de todas as normas jurídicas, devendo o Poder Judiciário se abster de tomar decisões que contrariem direitos fundamentais dos cidadãos, razão pela qual o magistrado não pode deixar de considerar a afronta a direitos fundamentais em suas decisões. Neste caso, considerando que temos uma situação de uma empresa falida e que a reintegração de posse se destinaria provavelmente a possibilitar o pagamento de credores, parece óbvio que a melhor solução era a imediata desapropriação do terreno para se garantir a moradia das pessoas que ali passaram a residir, principalmente se existirem dívidas de IPTU, como narram outros críticos da reintegração de posse em questão (8) e o próprio juízo da 06ª Vara Cível de São José dos Campos (9). Neste caso, que o Município desapropriasse o imóvel e fizesse uma compensação entre o valor a pagar pelo mesmo e o débito milionário de IPTU – seria certamente a solução mais justa e razoável para o dilema, merecendo crítica o juízo estadual da 06ª Vara Cível de São José dos Campos de negar tal possibilidade, a despeito de requerida, por imaginar, com base em puro subjetivismo, que “se até hoje essa atitude não foi tomada por quem de direito, certamente foi porque não houve interesse” (10) (sic) – o “certamente” configura puro subjetivismo do(a) magistrado(a) prolator(a) da referida decisão, em raciocínio simplório que não deve ser referendado por um Estado Democrático de Direito que vise a real implementação dos direitos fundamentais sociais, como o direito fundamental à moradia.
Por todo o exposto, o GADvS vem manifestar sua absoluta solidariedade com as moradoras e os moradores do Pinheirinho, manifestando seu apoio a que sejam regularizadas as moradias já consolidadas há anos naquele local.
Sendo o que nos cabia para o momento, subscrevemo-nos.
GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual
(1) Cf. http://portalalarde.com/709/ (acesso em 23/01/12).
(2) Cf. http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/01/alckmin-diz-que-ira-avaliar-se-houve-abuso-em-reintegracao-no-pinheirinho.html (acesso em 23/01/12).
(3) O qual, em decisão que aguarda referendo ou reforma por julgamento definitivo, manteve a competência da Justiça Estadual para o caso, cf. http://www.migalhas.com.br/Quentes/17%2cMI148614%2c51045-STJ+determina+que+compete+a+Justica+Estadual+julgar+caso+Pinheirinho (acesso em 24/01/12), notícia esta que traz um sintético histórico do caso.
(4) O “caso Pinheirinho” foi levado ao Supremo Tribunal Federal por mandado de segurança (n.º 31.120), movido pela Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais de São José dos Campos, que pleiteou: (i) liminar para que seja determinado à Polícia Militar do Estado de São Paulo e à Guarda Municipal de São José que suspendam imediatamente a desocupação da área denominada Pinheirinho, cuja posse é reclamada pela massa falida da empresa Selecta, mas que vinha sendo ocupada, desde 2004, por cerca de 1.300 famílias sem-teto; bem como, no mérito: (ii) o reconhecimento da competência da Justiça Federal para julgar o caso (pedidos ainda não-apreciados quando da publicação desta nota. Para a íntegra da notícia do STF, vide http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=198129 (acesso em 24/01/12).
(5) Cf. decisão de 20/10/11, in: http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/show.do?localPesquisa.cdLocal=577&processo.codigo=G1Z105UOZ0000&processo.foro=577 (acesso em 23/01/12).
(6) Cf. decisão de 10/01/2012, in: http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/show.do?localPesquisa.cdLocal=577&processo.codigo=G1Z105UOZ0000&processo.foro=577 (acesso em 23/01/12).
(7) Cf. decisão de 09/01/12, in: http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/show.do?localPesquisa.cdLocal=577&processo.codigo=G1Z105UOZ0000&processo.foro=577 (acesso em 23/01/12).
(8) Cf., por exemplo: http://www.pstu.org.br/nacional_materia.asp?id=13776&ida=0, http://psol50.org.br/blog/2012/01/16/nota-do-psol-sp-sobre-a-desocupacao-do-pinheirinho/ e http://www.espacosocialista.org/node/316 (acesso em 09/01/12).
(9) Cf. decisão de 20/10/11, in: http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/show.do?localPesquisa.cdLocal=577&processo.codigo=G1Z105UOZ0000&processo.foro=577 (acesso em 23/01/12), que anota alegação de dívida de IPTU, sem explicitar o valor.
(10) Cf. decisão de 20/10/11, in: http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/show.do?localPesquisa.cdLocal=577&processo.codigo=G1Z105UOZ0000&processo.foro=577 (acesso em 23/01/12).