04/12/12 – 23:50
POR Vitor Angelo

 

Mais uma agressão com caráter homofóbico na cidade de São Paulo. Na noite de segunda-feira, 3, o estudante de direito André Cardoso Gomes Baliera estava andando a pé quando foi xingado pelo personal trainer Diego Mosca, 29, e pelo empresário Bruno Portieri, 25, segundo informações da PM. Ao responder as ofensas, os dois deixaram o seu carro e agrediram fisicamente o rapaz que é assumidamente gay.

O estudante de direito André Cardoso Gomes Baliera que foi vítima de ataque homofóbico (Eduardo Knapp/Folhapress)

Mas o caso tem contornos muito diferentes de outras violências contra homossexuais ocorridas recentemente na cidade e no país. A mais importante é que não houve um pacto silencioso das testemunhas como em casos anteriores. Agora, muitas diante da violência e da força bruta tentaram impedir de alguma forma e não se incomodaram de testemunhar  para os policiais o ocorrido como ato de homofobia, algo que há pouco tempo parecia tão difícil de se qualificar, quase uma “paranoia de militante”. Percebeu-se pelas pessoas presentes, em suas retinas, e foi exemplificado pelo sangue e a covardia de dois fortões contra um o que é homofobia. Todas as testemunhas que deram depoimento para a imprensa afirmaram ser um ato homofóbico.

Mesmo a imprensa que costuma ser tão estatística e fria ao noticiar estes casos, se posicionou de forma indignada.  E por fim,  mesmo que paradoxal e cheio de preconceitos, muitos leitores e internautas detectaram no homofóbico um traço de homossexualidade enrustida. Apesar do gesto pejorativo e às vezes agressivo como resposta à violência dos dois fisiculturistas,  as pessoas começaram a perceber o valor de uma antiga tese: Que muitos dos homofóbicos têm uma sexualidade mal resolvida, podendo sim esconder uma possível homossexualidade.

Voltando ao primeiro tópico, o mais importante é sem dúvida a reação das testemunhas, estas não mais dentro de um discurso de “isto não é comigo” ou “apanhou porque mereceu (era bicha)”. A educadora Teca Soub estava no momento da agressão e relatou ao Blogay o que viu:

“Passei  no local na hora que os caras estavam começando a bater no André. Não vi as provocações verbais . Eram dois caras ‘musculosos’, sem camisa, correndo atrás de um rapaz e dando porrada sem nenhum temor. Primeiro, derrubaram o pacote que o André levava na mão e gritavam muito: ‘Viado tem que tomar porrada, vem aqui seu merdinha’. O André reagiu bem firme e enfrentou mandando tapa nos caras. Eu não consegui chegar perto deles, só gritava. Uma moça ao meu lado conseguiu ligar para a polícia, eu sai correndo atrás de algum policial que estivesse por perto. Às 18h40, os policiais chegaram e acalmaram a situação.

O André machucou a cabeça e teve ferimentos na mão. Isso tudo você já deve saber, o importante de contar é que ninguém apoiou os caras, todas as pessoas estavam horrorizadas com a enorme truculência . Chegou muita gente perto e fiquei ali, esperando ouvir algum comentário preconceituoso para meter a mão na cara (pior que é verdade, eu tive um ódio que nunca senti), mas, o melhor e mais emocionante, é que não rolou. Todos estavam indignados com a violência gratuita. É claro que só depois que a briga começou é que podemos sacar que era homofobia. Teve uma moça que gritava: ‘Isso tem que parar de acontecer, isso é preconceito’. Um frentista me disse que o policia tinha que ser firme porque ele já tinha visto isso acontecer na Henrique Schaumann muitas vezes.

Os policiais cercaram os dois caras e foram bem duros. André ficou se acalmando, alguém trouxe um banco. Todo mundo testemunhou a favor dele. Fiz questão de ficar por ali, dizendo pra todo mundo que chegava e queria saber o que aconteceu, ‘Não foi uma briga de trânsito, isso é homofobia porra!’.

Só sei que esse André é um cara admirável e eu tô muito impressionada com sua força moral. Foi muito duro, eu passei o dia inteiro lembrando da cena. Os caras são uns animais, só digo isso, aquilo não é gente não. Vi a covardia e a coragem brigando na minha frente. Viva o André!“

O relato prova que algo mudou e foi para melhor, mesmo que para isto – infelizmente – quase uma pessoa quase foi morta.

 

NOTA DO GADvS: Veja vídeo gravado pela vítima e publicado no Youtube aqui.

 

Nas palavras de André, “Diante de uma tentativa de homicídio, diante das mentiras que tenho lido a meu respeito pelo advogado do outro lado, diante da solidariedade das pessoas que entraram em contato comigo e em um sincero pedido de desculpas pela ausência nesses dias horrorosos que tenho vivido fiz esse vídeo pra conseguir atingir o maior número de pessoas e pedir JUSTIÇA.”

 

Você pode ler a transcrição completa do vídeo abaixo:

 

“Oi, é, eu to gravando esse vídeo pra falar um pouco do que aconteceu diante dos fatos que eu tenho ouvido, por causa dos repórteres, diante da versão dos caras, enfim. Mas antes eu queria, eu queria muito agradecer, de verdade, de verdade mesmo, agradecer toda a minha família, aos meus amigos, às pessoas que se solidarizaram, foram centenas, quiçá talvez mais de mil pessoais, sei lá, que tentaram entrar em contato comigo, desconhecidos, gente que nunca vi na minha vida, gays, lésbicas, heterossexuais, homens, mulheres, negros, brancos, idosos, jovens, enfim, que me mandaram mensagens, eu não consegui ler muito, porque não é fácil entrar na internet e ver, toda hora, aqueles compartilhamentos com a minha foto, que eu achei fantástico, eu agradeço quem fez, mas não é fácil ficar revendo isso, embora eu tenha que revisitar essa lembrança horrorosa diariamente, dando entrevista, e mesmo assim, na hora que eu tento dormir, na hora que eu tento comer, na hora que eu tento assistir TV, na hora que eu tento… a grande verdade é seguir não é fácil, dizer que seguir é fácil não é, não na sociedade que a gente vive, mas tirando os anos em que eu, nos quais eu passei dentro do armário, antes de me assumir, nunca tive vergonha disso… depois que eu me assumi, eu me assumi por mim, sim, claro, porque afinal de contas eu queria a minha vida de volta, eu queria o amor da minha família, eu queria o amor dos meus amigos heterossexuais, eu queria realizar meus sonhos, como ter alguém e só isso que a gente constrói ao longo da vida… mas eu me tornei alguém por outras pessoas também. Eu entrei na militância, fiz parte de movimentos sociais, trabalhei diretamente com a causa com questões de homofobias, parece uma grande ironia que ao tempo eu era o cara que se indignava com a violência e hoje eu to do outro lado, hoje eu sou a vítima, eu fui a vítima, e na verdade eu fui a vítima de uma violência, de uma agressão, de uma tentativa de homicídio, e to sendo vítima agora de absurdos, porque os caras tão começando a criar factóides, talvez, talvez não, mas com certeza uma tentativa de se livrar do que aconteceu, eles, eu soube por uma repórter que me ligou pra perguntar a minha versão dos fatos, ela já tinha me entrevistado, mas aí ela entrevistou o advogado dos caras e aí ela disse que eles falaram que eu que dei causa a tudo, que dei causa à agressão, que eu os ofendi e que não foi motivado por homofobia… eu quero deixar claro que tudo começou porque o cara mais alto, o Bruno, ele começou me ofendendo sim, por conta da minha orientação sexual, aí eles dizem que não tem como saber, que eu sou gay, mas tem sim, tem sim porque eu não escondo, então se eu tenho trejeitos, talvez a minha maneira de vestir, enfim, não sei, mas fato é que eles começaram me ofendendo por conta da minha orientação sexual e tudo acabou como acabou… eu queria agradecer também às dezenas de pessoas que se dispuseram a testemunhar a meu favor, que assistiram indignadas ao que aconteceu, e principalmente às três testemunhas que ficaram comigo a madrugada inteira na delegacia, provando a minha inocência, ratificando a minha versão, mostrando que eles são dois animais e que eles merecem sim que justiça seja feita… pra que se acabe a mácula desse país de impunidade, em todos os âmbitos, enfim, não só com relação à homofobia, mas enfim, o racismo impune, o machismo impune, a violência de um modo geral impune… Queria muito pedir desculpa pra minha família, pros meus amigos, por não ter respondido nenhum deles pela internet, embora eles tenham tentado muito, e também não respondi nenhuma das pessoas que falaram comigo, mas eu li boa parte das mensagens, mas realmente não é fácil falar sobre isso milhares e milhares de vezes, voltar a falar, e eu só me propus a falar com a mídia porque eles falaram primeiro. Aliás eu queria agradecer também à mídia, porque todos os repórteres que falaram comigo foram bastante atenciosos e entenderam que não tem como, não existe motivo pra uma pessoa andando na rua, uma pessoa de bem, uma pessoa que faz trabalho voluntário… quer dizer esse foi o André que eles bateram, não foi um cara qualquer que… é óbvio que ainda que fosse no cara qualquer isso já por si só seria desumano, mas eles bateram num cara que é um cara que faz de tudo pra ser o cara mais justo do mundo, um cara honesto, um cara que só queria chegar na casa dele, um cara voltando do trabalho que queria chegar na casa dele, um cara que faz trabalho voluntário, que pinta a cara pra pedir dinheiro na rua pra construir casa pra quem não tem onde viver, esse é o cara que eu sou, na certa não é o cara que eles são. Eles tão alegando também que o que eu quero é publicidade, e aí eu queria dizer que, qual a razão de querer a publicidade quando a publicidade vem com exposição à minha família, com exposição à minha vida, com isso, com essa marca, qual a razão de querer isso? A única coisa que eu quero é justiça, a única coisa que eu quero é justiça, por isso eu peço a todas as pessoas que se sensibilizaram com essa história, que acreditam na paz, que acreditam que em 2012 não faz mais sentido alguém apanhar por conta da sua orientação sexual, queria muito pedir para todas essas pessoas para elas estarem comigo, na contramão desses monstros, para elas estarem comigo lutando pelos meus direitos e pelos direitos de uma parcela enorme da população que sofre diariamente o que eu sofri e o que eu venho sofrendo. Agora acontece que o caso aconteceu em Pinheiros e isso chama a atenção, eu sou estudante de Direito do Largo São Francisco e isso chama a atenção, quando é com um homossexual pobre, na favela, negro, aí não chama a atenção… mas a gente tem poder de fazer isso parar, a gente tem que fazer isso parar, eu não quero ter que apanhar outra vez, eu não quero ter que fingir que eu não sou quem eu sou para poder voltar pra casa com segurança… É isso, eu queria muito desmentir o que eles tem falado, ah: eu li alguma coisa sobre a irmã deles dizer que a mídia tá dando publicidade demais pra esse fato porque o irmão dela é uma pessoa de bem e que, poxa, eu nem morri! Quer dizer, esse é o papel do homossexual nessa sociedade nojenta que a gente vive… é ser ofendido e, como disse o Bruno, se eu tivesse ficado quieto eu não teria apanhado, então ouvir ofensas e não falar nada, ou então apanhar e morrer e aí sim a mídia tem o direito fazer o barulho, segundo a irmã de um deles, eu não sei irmã de quem… Desculpa querida eu não conheço você, mas o seu irmão não é um cara de bem, não é… Muito obrigado aos meus amigos, peço um milhão de desculpas aos meus amigos, à minha família, queria agradecer muito o meu pai, que eu não esperava que fosse falar palavras incríveis pra mim, mas falou, dizer que eu continuo com medo de sair de casa, ainda não saí de casa sozinho, eu até fui pra casa de um amigo pra conseguir dormir porque aqui em casa não tava conseguindo, mas ele veio me buscar aqui, me trouxe, ainda não consegui por o pé pra fora de casa sozinho, porque a impressão que dá, embora seja irracional, é que vai acontecer de novo ali na esquina, porque foi ali na esquina que aconteceu. E é isso, eu só queria pedir, além de toda a solidariedade que eu já tenho recebido, eu queria pedir ajuda de todo mundo pra que esse caso não saia impune. Obrigado”.