por – Luiz Ismael Pereira

“Eros (assim devemos entender o argumento) não atraiçoa seu impulso original quando dirige sua paixão para a verdade, porque também a verdade é bela. E o é não tanto em si mesma como para o Eros. O mesmo vale para o amor humano: o homem é belo para o amante, e não em si mesmo, porque seu corpo se inscreve numa ordem mais alta do que a do belo. Assim a verdade, que é bela, não tanto para si mesma, quanto para aquele que a busca” (Water Benjamin).[1]

 

É de conhecimento geral que a homossexualidade sempre existiu. Na Grécia Antiga, as relações entre os homens eram as verdadeiras relações de amor – Eros.[2] Nas civilizações assíria, romana e egípcia eram vistas com normalidade.  Já com o advento do cristianismo, a homossexualidade passou a ser reputada como anomalia, anormalidade de comportamento, de encontro à vontade divina (Levítico 18:22; 1 Coríntios 6:9-11).[3]

A partir de 1991, a proibição da homossexualidade como expressão da personalidade é encarada como violação dos direitos humanos por parte da Anistia Internacional. Embora a homossexualidade tenha sido conhecida como patologia durante muitos anos deixou de o ser, apenas, no ano de 1995, quando passou a ser encara como um modo de ser inerente à pessoa, dela não podendo se impor a dissociação.

É sabido que o direito de intimidade é parte integrante de cada pessoa humana. Dentro dessa intimidade, inclui-se a identidade sexual que diferencial cada um[4]. A discriminação de um ser humano devido a sua orientação sexual configura uma clara violação da dignidade a ele devida.

Não é de se admirar que em países com preponderância religiosa, muitos dos dirigentes de organizações ou órgãos estatais tentem sobrepujar suas convicções quanto à sexualidade. Mas não é possível que tais convicções pessoais (preconceitos) discriminem baseadas numa característica constitutiva da personalidade e, desse modo, interfiram nas relações do Estado com o cidadão, qual seja, proteger a dignidade humana deste. O conteúdo do art. 1º, inciso III da nossa Constituição não possui apenas caráter de princípio de proibição, mas também requer que o Estado toma atitudes eficazes para a proteção da pessoa humana. É a chamada “promoção positiva de suas liberdades”.[5]

Dentre essa promoção positiva das liberdades estão as ações legislativas, executivas e judiciárias.

No mês de maio de 2011, gostaríamos de lembrar por toda significação política que exatos 43 anos após a “noite das barricadas” de maio de 68, o Supremo Tribunal Federal encarou na Tribuna o preconceito da omissão legislativa de regulamentar a união homoafetiva como sociedade familiar e, assim, conceder os direitos ao casal em equiparação à união estável entre homem e mulher.

Não nos cabe enfrentar ponto a ponto dos votos que já estão disponíveis a todos. O que nos cabe é iniciar uma visão das consequências de tal julgamento, destacando, nesse artigo duas: a visibilidade das minorias e a proteção dos direitos civil.

É fato notório que o julgamento televisionado, as reportagens por sítios da Internet, bem como a participação em redes sociais abriu os olhos de quem pensava que a relação homossexual é promíscua e passageira. Ao contrário, todos sabem, ainda que não concordem, que um casal pode morar no andar acima, pode ser o padeiro com seu companheiro, o seu chefe, seu colega de turma, seu irmão, primo, você… O que deve guiar a tal proteção é o princípio da alteridade: olhar e se preocupar com o outro.

Já quanto a proteção de direitos civis, entendemos, desde o primeiro momento que não se trata de efetivação de direitos humanos. O que se garantiu naquele histórico julgamento foram legalidades ligadas ao “direito da tristeza”: na morte do companheiro, o sobrevivente terá direito a seu patrimônio, bem como direito à pensão por morte; no caso de separação, ambos terão direito ao que foi construído pelo casal, não podendo a parte mais fraca ficar sem participação nos bens do outro, etc.

O que se garantiu com o julgamento? Direitos Civis! Não que isso não seja importante, em especial no caso em que a parte mais rica no casal, com a separação, pode sobrepor-se sobre a mais pobre; ou quando a família do companheiro proprietário de bens, leoninamente, ataca o sobrevivente no caso de morte. Isso não é nada incomum.

Preferimos pensar que essa visibilidade dos direitos civis seja, apenas, o primeiro passo para que o legislativo acorde de seu sono enfastiado de conchavos políticos,[6] com o fim de efetivar meios de educar a juventude para que encontre a verdade sobre as relações homoafetivas que, como certamente autorizaria dizer Benjamin, com as devidas alterações à epígrafe, é bela para as minorias que a buscam.

A segunda, O Estado não pode negligenciar a proteção às relações homoeróticas (ou homoafetivas), frutos de afeição inerentes ao ser humano, o que leva à melhor conclusão de que o rol do art. 226 abraça as relações homoafetivas como entidades familiares válidas e que produzem efeitos no mundo jurídico.

O primeiro passo foi dado. Devemos garantir, por meio de ações de movimentos sociais engajados na efetivação de direitos humanos voltados para a proteção das minorias, que a educação, a emancipação humana e política pressupõem, mas vão além dos “direitos da tristeza” rumo ao respeito à diferença.

 

 


[1] BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 53.

[2] Embora fale-se do amor entre homens, entenda-se amor entre iguais: homossexuais femininos, masculinos, transexuais, travestis etc.

[3] Cf. GIORGIS, José Carlos Teixeira. “A natureza jurídica da relação homoerótica”. Revista da Ajuris. Rio Grande do Sul: AJURIS, Ano XXIX, n. 88, TOMO I, Dez. 2002, p. 226.

[4] José Carlos Teixeira Giorigis chama de “núcleo da identidade sexual na personalidade do indivíduo” em seu texto “A natureza jurídica da relação homoerótica”, op. cit., p. 228

[5] No mesmo sentido do aqui defendido, os textos dos magistrados Roger Raupp Rios, “Dignidade da pessoa humana, homossexualidade e família”.In: MARTINS-COSTA, Judith (Coord.). A reconstrução do direito Privado: reflexos dos princípios, diretrixes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pp. 504/505, bem como José Carlos Teixeira Giorigis. A natureza jurídica da relação homoerótica, op. cit. p. 244.

[6] O Projeto de Lei da Câmara nº. 1.151/95, de propositura da então Deputada Federal Marta Suplicy, que torna realidade normativa a união homoafetiva, está pronta para pauta após, por muito tempo, ter aguardado apreciação.

 

Fonte – Revista Crítica do Direito. on line. N. 1, Vol. 4, 16 a 23 de maio de 2011, Disponível em: http://www.criticadodireito.com.br/.