Por: ALEX RICARDO
Advogado em São Paulo

A Constituição é uma lei estática ou uma decisão política composta por axiomas normativos que traduzem valores tendentes a balizar fatos sociais e a garantir a Democracia? Temos um guardião de uma lei formal estática ou de um complexo axiológico-normativo radiante sobre as ordens jurídica e social? O que é então família? O que é o amor? O que é base da sociedade dita na aludida decisão política de 1988?

Eis as questões nascidas diante dos argumentos críticos perante o avanço jurisprudencial de nosso Tribunal Constitucional relativo ao reconhecimento da União Homoafetiva.

Outrora em nossa sociedade, filhos havidos fora do casamento não eram vistos como parte da família.

Outrora, mulheres que se libertassem das amarras do casamento, seja pelo “desquite” ou pela “produção independente”, eram vistas como contrárias ao conceito de família. Outrora, até outubro de 1988, o conceito de família assumia uma rigidez que foi transmutada pelo bom senso ao longo do tempo, diante de fatos sociais para os quais a ordem jurídica não poderia negar a existência, relegando-os à marginalidade.

Fato: pessoas do mesmo sexo se amam, moram juntas, criam filhos (de um só dos parceiros, adotados, etc. O que isso importa?), constroem uma vida patrimonial e afetiva juntas, respeitando deveres civilmente qualificados como pertinentes ao casamento ou à União Estável entre homem e mulher (sejam estéreis ou não, isto é, capazes ou não de procriar).

Se há uma relação civilmente qualificada e geradora de deveres, há, para ela, direitos inerentes. Se, em tal, há elementos que transcendem o patrimônio, tocando o campo da afetividade, configurada por uma convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, alicerçada na lealdade, respeito e assistência, guarda, sustento e educação dos filhos (sejam adotados, ou de um só dos parceiros, em pé de igualdade com o casal homem e mulher que por algum motivo não podem ter filhos), por que negar a roupagem jurídica de entidade familiar?

Criticar a recente decisão do STF é ignorar um fato social, negar cidadania e, por conseguinte, atentar contra a ordem social democrática, cujo signo axiológico-valorativo foi insculpido de tal forma na CF/88 que chegou a criar imutabilidade de dispositivos, dentre eles, os previstos no artigo quinto.

Mais. Criticar o reconhecimento da União Homoafetiva como entidade familiar, é ignorar um fato social que está aí aos olhos de todos. Aplausos aos que lembram que se faz interpretação conforme a Constituição, mas não nos esqueçamos que a própria Carta Régia sofre mutações em seus conceitos, sendo essas uma forma de alteração constitucional.

Vivemos o Estado legalista puro e simples pela formalidade ou um Estado Social Democrático de Direito constituído por normas materiais e formais?

Se há normas materiais, há axiomas que conceituam elementos constitucionais. Havendo axiomas, não se interpreta a CF/88 tomando por base a ignorância de fatos sociais. Muito pelo contrário. São esses fatos que emprestam elementos de valor aos axiomas outrora constitucionalizados.

Se não é o Tribunal Constitucional, como parte do Poder Judiciário, o responsável pela leitura conceitual dos axiomas constitucionais, quem o seria? O Poder Legislativo?

Se o Poder Legislativo é omisso e há fatos sociais clamantes de justiça, o que faz o Poder Judiciário senão cumprir o CPC, art. 126, segundo o qual o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei, cabendo-lhe aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito?

Cabe ao Legislativo legislar, disseram os juízes franceses, mas sem deixar de aplicar o PACS, isto é, sem deixar de julgar reconhecendo a existência das entidades familiares às pessoas do mesmo sexo.

Vejam-se as notícias nos sites:

http://www.assemblee-nationale.fr/13/propositions/pion1286.asp

http://www.lepost.fr/article/2011/01/28/2385977_mariage-gay-un-petit-pas-du-conseil-constitutionnel-un-grand-pas-pour-les-homos.html

http://www.parismatch.com/Actu-Match/Societe/Actu/France-Le-conseil-constitutionnel-contre-le-mariage-homosexuel-mariage-gay-246251/

http://www.insee.fr/fr/themes/document.asp?reg_id=98&ref_id=ip1276

http://www.lappeldemontpellier.fr/

http://www.bayrou.fr/opencms/opencms/propositions/homoparentalite.html

Ignorância leva a pré-concepções ou preconceitos lastreados no que se ouviu dizer por meio de retórica arcaica e defasada contrária aos Direitos Humanos universalmente consagrados. Isso não é amar a Deus sobre todas as coisas, nem ao próximo como a si mesmo. É falta de respeito pela diversidade criada por Deus.

Por outro lado, talvez, não seja somente ignorância ou preconceito. Poderia ser o mesmo motivo que discriminou o filho havido fora do casamento ou a mulher que assumia sua posição de igualdade ao homem na sociedade: medo. Medo do que não se conhece. Medo do diferente. Medo de amar ao próximo como a si mesmo. Medo de perder o controle sobre o outro.

Preconceito ou medo? Medo e preconceito em retroalimentação recíproca entre covardes e ignorantes diante da realidade social dos presentes dias.

O que gera desconforto é ver críticas contrárias ao avanço social, representado na decisão favorável ao reconhecimento da União Homoafetiva, cuja tônica dá preferência ao engessamento da CF/88 por pura necessidade de ignorar um fato social e um valor jurídico humano a ele consagrado universalmente e fundamento constitucional: a Dignidade da Pessoa Humana.

Destarte, reitera-se o respeito e admiração ao nosso Tribunal Constitucional, no tocante, em especial, à decisão que reconhece a União Homoafeitva.